"DOR E GLÓRIA" - Pedro Almodóvar


“Escrever é desenhar com palavras”.

Confesso que não acompanho muito o trabalho de Almodóvar, mas o pouco que conheço eu gosto. E por quê? Porque é um trabalho autoral, original, com paixão, sentimentos e cores, muitas cores. Só de bater o olho sabemos que é uma obra de Almodóvar, e em um mundo cheio de caixas e padrões, agrada-me muito um roteirista-diretor que consegue manter sua essência.

A história, semibiográfica, conta a vida de Salvador Mallo, um escritor e diretor de cinema consagrado, mas que não consegue mais trabalhar. São muitas as dores do corpo e da alma. Salvador vai vivendo e permeando sua vida com lembranças do passado, de pessoas e momentos, e principalmente de sua mãe – tema recorrente na filmografia de Almodóvar.

Aqui, passado e presente são costurados lindamente, em fotografias brilhantes, cheias de cor e de vida, que contrastam com as dores do protagonista. Ainda, somos agraciados com diálogos verdadeiramente poéticos que nos fazem pensar sobre nossa própria vida.

O filme é uma poesia visual, recheada de falas que fazem pensar e refletir, como a que comecei esse texto. Salvador foca nas dores, abdicando da glória. Precisa que elementos chaves de seu passado retornem para que possa, novamente, ser compelido a trabalhar em direção à gloria, à vida. Não é à toa o título do filme.

Antonio Banderas no papel de Salvador, Penélope Cruz como sua mãe jovem, e poucos – mas bons atores, tão o tom para essa história, que na medida em que vai acontecendo, vai gerando diversas reflexões.

Como desdenhamos momentos que muito depois que passam percebemos que definiram nossas vidas, quem somos. Pessoas que passam e marcam para sempre, ainda que tenhamos estado com elas por pouco tempo. Amores que mudam tudo. Afinal, não importa o tempo, mas a intensidade. Situações cuja importância só nos damos conta quando nos permitimos revisitar o passado e recontar a história de quem somos para nós mesmos.

As pessoas entram e saem de nossas vidas no momento em que precisamos, porém é preciso permitir suas chegadas, e também suas partidas. Às vezes vêm para nos ensinar algo pontual, outras para nos relembrar de algo, muitas também para mudar tudo, virar nosso mundo de cabeça para baixo.

Precisamos acreditar em quem somos, dar uma chance à vida. Se não quisermos, se sequer tentarmos levantar do buraco em que estamos – seja ele ralo ou fundo, não importa o quanto tentem nos ajudar, ficaremos ali, paralisados em nossas dores.


“Dor e Glória” é um filme sobre sentimentos, que mostra que guarda-los aumenta a dor, e não resolve nada. É preciso conversar, escrever – no caso de Salvador, enfim, por para fora, sentir e expressar sentimentos. Só assim as catarses ocorrem, só assim conseguimos seguir em frente.

Almodóvar é o diretor da paixão, das cores, dos sentimentos, que nos mostra que o caminho – sempre, é através. Através da dor, através do medo, através daquilo que tanto evitamos. Só assim podemos superar e realmente desfrutar da glória que é viver.

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