NOITE PASSADA EM SOHO (sem spoilers)

O cinema é construção. Construção de quem faz o filme, mas, sobretudo de quem assiste.

Somos a soma de nossas referências, experiências, emoções. Filmes que vimos, livros que lemos, pessoas que conhecemos. Ao ver uma obra de arte, tal como um filme, levamos tudo isso conosco.

Recentemente assisti ao anime "Perfect Blue" para fazer um episódio do meu podcast de cinema (Cabine do Filme - Podcast Rabiscos). O filme, deliciosamente perturbador, influenciou e continua influenciando diversos outros como é o caso deste, o mais recente do diretor Edgar Wright, "Noite Passada em Soho" (Last Night in Soho).

As referências ao anime são muitas, desde a ideia central, às cores e clima de tensão e mistério. Porém, param por aí. O que vi aqui foi um filme autoral, interessante e que prende do começo ao fim.

Vamos à história, com o mínimo possível de spoilers. 




A protagonista Eloise, interpretada por Thomasin Mckenzie, muda-se do interior da Inglaterra para Londres, a fim de estudar moda. Ela tem um "dom" de ver aqueles que já se foram, o que não é muito explicado no filme, mas serve para preparar o terreno para o que virá.

Após algumas desastrosas noites no dormitório da Universidade, decide que precisa morar sozinha, então aluga um quarto no andar superior da residência de uma senhora muito simpática, no Soho, que dá nome ao filme.

Apaixonada pela Londres dos anos 60, cuja ambientação fica a cargo da trilha sonora deliciosa (tal qual Baby Driver, outro filme do mesmo diretor com uma trilha sonora igualmente potente), Eloise começa a sonhar/ver uma Londres dessa época, pelos olhos de Sadie, personagem de Anya Taylor-Joy (protagonista da série "O Gambito da Rainha), tão sedutora quanto misteriosa.

Entre suas aulas na Universidade e as noites em sua nova residência, Eloise começa a frequentar esse lugar a princípio idílico, que as poucos vai se tornando assustador, uma Soho dos anos 60, cheia de glamour e perigos ocultos.

Nesse momento da narrativa percebemos a maior influência de "Perfect Blue", na fragmentação da psique da personagem, que não se sabe se está inventando, vivendo algo que já aconteceu, ou simplesmente alucinando. A filmagem, a trilha sonora, a edição e a atuação sempre apavorada da protagonista ajudam nesta sensação.

Independente das reviravoltas e explicações, algumas óbvias, outras nem tanto, para mais do que um desfecho que esclarece acontecimentos, "Noite Passada no Soho" é uma viagem para uma época, para a mente da protagonista, regada a muita música boa e um ar noir que envolve no mistério que propõe.

Um filme que da alguns sustos, critica uma cultura e não aponta culpados. Cabe ao espectador julgar as atitudes dos personagens e acima de tudo, aproveitar essa viagem deliciosamente perturbadora ao Soho. 

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